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Entrevista às coordenadoras do projeto "Habitar a revolução: perspetivas sobre transformações sociais e produções espaciais a partir das casas ocupadas do bairro das Amendoeiras, em Lisboa"



O Bairro das Amendoeiras, marcado por uma ocupação pós-25 de Abril, é o foco do projeto de investigação coordenado por Maria Assunção Gato e Ana Brandão. As investigadoras pretendem desvendar os segredos de 50 anos de democracia dando destaque ao papel das mulheres como agentes de mudança nesse bairro. Localizado na zona I de Chelas, o Bairro das Amendoeiras é mais do que uma mera paisagem urbana; é um símbolo de luta por habitação digna e um reflexo das transformações políticas e sociais do país. Esta pesquisa não só procura resgatar memórias esquecidas, mas também propõe-se oferecer uma visão mais profunda das complexidades da sociedade portuguesa no pós-revolução.



Porquê estudar o Bairro das Amendoeiras? Qual a motivação da equipa de investigação para estudar um bairro de ocupação ilegal?


A ideia deste projeto surgiu de uma conversa entre ambas. O concurso para projetos sobre o 25 de abril era uma oportunidade para escapar das agendas temáticas dos programas de financiamento “competitivo” e ir trabalhar sobre um tema que consideramos relevante, ainda que o financiamento fosse quase irrisório. As dinâmicas económicas, políticas e sociais operadas nestes 50 anos de vida em democracia através das casas e suas vivências, dando palco também às mulheres enquanto agentes e alvos de transformação, foi uma ideia que ganhou forma. O bairro das Amendoeiras, antiga zona I de Chelas, daria espaço a essa ideia pelas suas especificidades: resultou da ocupação ilegal massiva e muito rápida das casas ainda por acabar no decurso da Revolução e, após 50 anos esse processo permanece pouco explorado, sobretudo ao nível das próprias casas e das vidas e memórias dos seus ocupantes. A partir daqui foi desenvolver melhor a ideia e montar a equipa que nos vai ajudar a desenvolvê-la, constituída por Carolina Henriques, Saila Saaristo, Ricardo Barradas, Ricardo Lopes e Pedro Costa. Contaremos com a parceria da Associação de Moradores do Bairro das Amendoeiras e com Filomena Silvano e Tiago Mota Saraiva enquanto consultores.




Qual a relação do Bairro das Amendoeiras com o pós 25 de abril, qual a sua especificidade?  

 

O pós 25 de abril foi fértil em movimentos de ocupações, nas cidades e nos meios mais rurais, em fábricas, propriedades agrícolas e também de casas, quer para usufruto próprio quer para o bem coletivo. Em Chelas, este processo é indissociável do desenvolvimento urbanístico da zona oriental de Lisboa, já iniciado antes do 25 de Abril. No Bairro das Amendoeiras, as casas de promoção pública estavam em construção e foram ocupadas massivamente nos dias que se seguiram à revolução, por uma população que vivia em condições indignas, muita dela nas proximidades desta área, em largas extensões de bairros de barracas ou habitações precárias. O processo de ocupação foi um reflexo de uma crise de habitação profunda, mas também a expressão prática e simbólica do direito à habitação.  

Este movimento de ocupação das casas marcou não só a construção física e social deste bairro, mas também a mobilização coletiva para a legalização das casas e a dinamização da comunidade local ao longo destas cinco décadas. 

  



Este projeto dá também destaque à importância do papel das mulheres, habitantes deste bairro e ao mesmo tempo à sua invisibilidade no processo de conquista e construção deste espaço. Como surgiu este ângulo?  

 

Este ângulo sobre o protagonismo das mulheres surgiu naturalmente e inspirado pela Casa enquanto ponto de partida do projeto. Há uma ideia de que as mulheres tiveram um papel relevante nas ocupações de casas, também porque seriam as que mais sofriam com a falta de uma habitação digna. Queremos perceber se isto foi mesmo assim e tornar visível o papel das mulheres na transformação dos espaços privados/domésticos e públicos, a partir das suas dinâmicas sociais, trabalhos, consumos e estilos de vida. Pretendemos demonstrar como esse papel evoluiu na democracia, dentro de casa e, sobretudo fora dela.  

 


Que tipo de pistas/ lições poderão vir a ser retiradas para o futuro?  

 

Este é um projeto pensado para comemorar os 50 anos de vida democrática em Portugal e para trazer à luz memórias importantes da nossa história enquanto sociedade, cidade e comunidade. Não pretendemos influenciar políticas, mas conhecer e co-produzir conhecimento sobre muitas mudanças operadas ao longo de cinco décadas, com a comunidade do Bairro das Amendoeiras. Fazer uma ciência que serve a democracia é dar importância ao que está e a quem está à nossa volta, sem objetivos dirigidos a influenciar, avaliar ou a produzir outra coisa que não seja conhecimento sobre a realidade. E a realidade hoje mostra-nos o quão importante é zelar pela manutenção da democracia e pela produção de ciência fundamental que ajude nesse propósito. Viva o 25 de Abril e as suas conquistas! 

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